Sem comprovante de vacina, alunos e funcionários da Unesp relatam perseguições

Sem comprovante de vacina, alunos e funcionários da Unesp relatam perseguições

Duas servidoras apresentaram atestado informando que não podem tomar vacina, mas a universidade não aceitou

"Há vários servidores que precisaram iniciar tratamento psiquiátrico, pois não estão aguentando a pressão", disse uma das funcionárias

Sem o comprovante de vacinação contra a covid-19, três estudantes e duas funcionárias da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp) relataram a Oeste perseguições no ambiente acadêmico.

Lucca Fernandes e Beatriz Afonso cursavam Engenharia Civil no campus de Ilha Solteira (SP) quando tiveram a matrícula cancelada em 20 de abril.

Outro aluno, Lucas Ribeiro, cursava doutorado em Economia no campus de Araraquara (SP) e também teve a matrícula cancelada na mesma data.

Em 2021, Lucca e Beatriz frequentaram as aulas de modo remoto, em razão da pandemia.

Quando a universidade anunciou o retorno presencial, neste ano, a instituição exigiu o comprovante de vacinação e deu um prazo para a apresentação do documento.

Durante esse período, os jovens frequentaram normalmente a universidade, e, com a ajuda da família e dos advogados,  tentaram conversar com a coordenação, pois não iriam tomar a vacina.

“Recebi diversas ameaças de cancelamento de matrícula”, disse Fernandes. “Deram cinco dias úteis para apresentarmos o comprovante de vacinação, senão iríamos perder a vaga na universidade.” Como o documento não foi apresentado, os estudantes perderam todo o primeiro semestre de 2022.

Em virtude do histórico familiar de doenças, Lucca apresentou um atestado médico com as justificativas para não tomar a vacina contra covid-19.

De acordo com o estudante, o atestado foi recusado pela instituição. “A universidade nem forneceu o CRM [registro do profissional no Conselho Regional de Medicina ] do médico que recusou o atestado”, disse Fernandes.

Lucca levou o caso para a Justiça, que determinou que a Unesp retomasse a matrícula do estudante. O jovem, no entanto, ainda aguarda o julgamento final do caso, ou seja, ele ainda pode perder a vaga na universidade. “Está sendo muito difícil lidar com toda essa pressão”, disse.

Caso Beatriz Afonso e Lucas Ribeiro

Beatriz e Lucas não possuem histórico médico que justifique a recusa da vacina, o que complica ainda mais o retorno dos dois jovens à universidade.

Agora, com ambas as matrículas canceladas desde 20 de abril, os universitários se veem em uma situação complicada.

Beatriz relatou que, antes de cancelarem sua matrícula, chegou a ser retirada da sala de aula por uma professora por não estar com a “matrícula regularizada”. A jovem abriu um Boletim de Ocorrência do caso.

Depois do cancelamento da matrícula, a universitária recorreu à Justiça, alegando que “ninguém é obrigado a se submeter a testes clínicos e nem a exames que coloquem em risco sua vida”. A jovem ainda pode frequentar as aulas, mas não assina lista de presença e nem pode fazer provas ou trabalhos. Beatriz espera conseguir de volta a vaga na universidade.

Já Lucas Ribeiro, que estava cursando doutorado, por enquanto prefere não acionar a Justiça. “Nesse momento, quero apenas trazer a público o que está acontecendo”, disse o jovem. Ele explica que é uma contradição, pois, mesmo com a covid-19, o Carnaval aconteceu sem impedimentos. “Eu, que estou disposto a estudar e a fazer uma tese de doutorado, fui obrigado a sair da universidade.”

Situação das funcionárias

Duas funcionárias da Unesp, que preferiram não se identificar, mostraram o atestado médico informando que não podem tomar nenhuma dose da vacina contra a covid-19, mas a universidade não aceitou a justificativa.

Ambas relataram que tiraram licença para não configurar falta no trabalho, visto que o reitor da Unesp determinou que aqueles que não se vacinassem não poderiam entrar na universidade.

De acordo com as funcionárias, todos os documentos enviados para comprovar a impossibilidade de vacinação foram recusados pelo “Comitê Covid” da Unesp, sem o nome de um médico. “A universidade não coloca a cara a tapa, fica se escondendo”, disse uma delas.

Uma das funcionárias chegou a apresentar um segundo atestado, assinado pelo médico Alessandro Loiola, documento que também não foi aceito. “Esse médico é negacionista”, foi o que a universidade teria informado, segundo o relato da funcionária.

De acordo com as servidoras, assim que encerrar o período de licença e, caso, novamente, os atestados médicos sejam recusados, elas serão proibidas de entrar no campus onde trabalham, o que configura falta e depois abandono de emprego. Se isso ocorrer, elas poderão ser demitidas por justa causa.

Segundo uma das funcionárias, em algumas unidades da Unesp a direção tem negado a licença de afastamento e há relatos de pessoas que sofreram até mesmo descontos aplicados aos salários, por não poderem entrar na universidade em razão de não apresentarem comprovante de vacinação.

“Há vários servidores que precisaram iniciar tratamento psiquiátrico, pois não estão aguentando a pressão”, disse uma delas.

O que determina a lei

Oeste conversou com o advogado Luiz Ricardo de Almeida. “A legislação estadual não prevê demissão ou exoneração pelo motivo de não vacinação contra covid-19”, explicou Almeida. De acordo com o advogado, o que a Unesp está fazendo é impedir o funcionário de trabalhar, aplicando faltas injustificadas — caso o funcionário não apresente comprovante de vacinação.

Segundo Almeida, por mais que o trabalhador queira trabalhar, as faltas injustificadas acumuladas podem gerar abandono de emprego, o que autoriza uma demissão ou exoneração por justa causa.

Para o advogado, a vacinação compulsória suprime direitos constitucionais. Almeida explica que a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6586 e 6587, julgada pelo Supremo Tribunal Federal para o trato das medidas no combate à pandemia, prevê que “a obrigatoriedade das vacinas não é sinônimo de vacinação forçada”.

A ADI também cita o Programa Nacional de Imunização (PNI). De acordo com Almeida, somente as vacinas que fazem parte do PNI são obrigatórias — a vacina da covid-19 não está inclusa no PNI. Portanto, segundo explica o advogado, a vacina contra a covid-19 não seria obrigatória, uma vez que, de acordo com o princípio constitucional da legalidade, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.”

O advogado também rebate o argumento da eficácia da vacina, pois, se a finalidade da obrigatoriedade de vacinação contra a covid-19 é evitar o contágio e a disseminação do vírus, “todos os laboratórios informam, assim como os fatos, que até mesmo com quatro doses o indivíduo pode contrair a doença”.

O que informa a Unesp

Em nota enviada a Oeste, a Unesp informou que “funcionários que não se vacinaram sem justificativa técnico-científicas estão sujeitos a medidas disciplinares”.

Conforme as normas publicadas no Diário Oficial do Estado de São Paulo (DOU), em relação à universidade, o servidor que não puder tomar nenhuma dose da vacina deve apresentar um atestado médico que comprove a contraindicação.

Esse atestado é encaminhado às seções técnicas de saúde da universidade ou à Coordenadoria de Saúde e Segurança do Trabalhador.

Uma vez enviado o documento, esses dois departamentos serão os responsáveis pela análise da documentação médica.

Durante a avaliação, o funcionário não pode frequentar presencialmente a Unesp.

O funcionário que não tiver o atestado aprovado será notificado da reprovação e deverá comprovar a aplicação da primeira dose da vacina contra a covid-19 no prazo de cinco dias úteis.

Caso ele não tome a vacina dentro do prazo, os dirigentes da unidade onde o funcionário trabalha deverão adotar “medidas disciplinares” contra ele.

E, ainda, “sujeitar o servidor a medidas decorrentes do vínculo empregatício”, o que pode implicar em demissão ou processos trabalhistas.

Por Revista Oeste

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